Em alguns municípios, faltam móveis, computadores e até luz na prefeitura.Três cidades visitadas pelo Fantástico tiveram que pedir ajuda à polícia. 59734
Imagine chegar ao trabalho e dar de cara com um buraco de 12 metros no
seu escritório. Ou então você não pode acender a luz, porque a conta não
foi paga. E nem ir ao banheiro, porque falta o vaso... Essa é a
realidade de muitos prefeituras pelo brasil.
“Quando nós assumimos, em 2009, tivemos o compromisso maior de sanear o
município, de preparar o município para a frente”. A frase foi dita por
Bevilácquia Matias em discurso quando era prefeito da cidade de
Juazeirinho, no interior da Paraíba. “Hoje nós temos todas as finanças
do município saneadas”.
Mas a sucessora dele, que foi eleita no ano ado, diz que encontrou a
prefeitura com a energia elétrica cortada por falta de pagamento. “Nós
assumimos a prefeitura do município literalmente às escuras”, diz a
prefeita Carleusa Marques.
Ano novo, vida nova. Hora de botar os planos em ação. Mas os novos
prefeitos de 12 cidades visitadas pelo Fantástico essa semana estão
tendo péssimas surpresas.
Também por falta de pagamento, prédios das istrações de Miguel
Alves entraram em 2013 sem energia. “O computador que continua as
informações de transferências de aluno desapareceu”, diz José Pereira,
secretário de Educação e Miguel Alves (PI).
“Nesse momento, estamos sem dado algum, fazendo um trabalho de
detetives aqui para ver o que podemos descobrir”, afirma Pedro da Silva,
prefeito de São Domingos (SE).
Onde falta informação tem muita coisa importante que também faz falta.
“Até o momento, a gente não tem dinheiro para comprar água dentro da
prefeitura, porque a gente não teve o a nenhuma conta ainda. Não
pude fazer senha, nada”, revela Carleusa.
“Viver é ruim sem água”, diz Adílson Henrique da Silva, de 13 anos. Ele
é sensível, um amigo dos livros, mas não tem tempo para ler como
queria. Na beira de uma estrada movimentada, Adílson transporta vizinhos
e amigos em uma charrete e busca água para as necessidades básicas da
família. “Tomar banho a gente busca ali na rua”, diz o jovem, que pega
água todos os dias desde os 10 anos.
“Desde janeiro do ano ado não tem chuva aqui em Juazeirinho para
arrumar água nem nada”, diz o biscateiro José Adenildo, que sai com um
tambor para tentar conseguir água.
A cidade depende de caminhões-pipa porque o açude secou. Enquanto o
caminhão não chega, os trabalhadores rurais tentam salvar os animais com
água enlameada. “É muito ruim assim. Só se bebe porque é o jeito mesmo.
Está muito ruim, salgada”, diz um criador. A água, conta, só serve para
os animais: “Só para bicho. Para humano não presta”.
Para enfrentar os problemas da cidade, Juazeirinho precisa de dinheiro, claro.
Fantástico: Quanto a senhora encontrou no caixa da prefeitura?
Prefeita de Juazeirinho: No caixa da prefeitura, R$ 2,10.
“Encontramos uma prefeitura no escuro e totalmente sucateada, faltando computadores. Levaram as Us”, diz a prefeita.
“Não existem arquivos, que é a principal prova de documentação de uma
istração”, revela Pedro Alves da Nóbrega, promotor de Justiça da
Paraíba.
Quando assumiram, os novos prefeitos de Holambra, Tufilândia, Ipojuca,
Alcobaça, Alhandra e Porto Acre também deram por falta de computadores.
Dizem que os discos rígidos sumiram ou foram zerados.
“Estamos trabalhando no escuro, completamente no escuro. Pedimos
informações a alguns funcionários. Ninguém sabe, ninguém viu”, conta
Mariluce Almeida, secretária de Finanças de Alhandra (PB).
Assim fica difícil saber em que pé está a cidade. Os ex-prefeitos
desses municípios afirmam ter deixado tudo direitinho pra gestão
seguinte.
“A única coisa que foi tirada de lá foram os processos de pagamentos e
entregue ao tribunal de contas”, afirma Leo Brito, ex-prefeito de
Alcobaça (BA).
E a ex-prefeita de Holambra, no interior de São Paulo, diz que o
computador era dela e que, mesmo assim, não tinha informações
importantes. “O computador da prefeita, que informação que tem?”, diz
Margareth Groth.
A sede da prefeitura de Holambra também não tem móveis. A ex-prefeita
diz que levou embora porque também eram dela. “Quantos prefeitos num
compra os móveis do próprio gabinete dele? Isso é normal”, aponta
Margareth.
Um vídeo gravado em São Mateus mostra um grupo de homens levando embora
o que seria o aparelho de raio-X do hospital local, que não estava em
boas condições. O ex-prefeito da cidade afirma que deixou dinheiro em
caixa e que a máquina de raio-X foi levada mesmo.
“A máquina de raio X do hospital do município era alocada de uma firma
sediada em São Luís. O dono, no término do mandato, mandou buscar,
porque expirou o contrato”, explica o ex-prefeito Francisco Rovélio.
Nessas condições, quem paga a conta - e sofre - é a população. No
hospital de Juazeirinho, o lençol é da família da paciente! “É assim
mesmo a gente chegava aqui, não tinha lençol”, diz Claudenice Santos
Silva, mãe de paciente. O lençol que a filha usada foi levado pela tia.
O Fantástico encontrou carros quebrados, sem condição de rodar, em
várias cidades. Nenhuma ambulância funciona em Juazeirinho. “Não tem o
motor, né? O motor dela não se encontra”, diz José Oliveira, chefe de
transporte do município paraibano.
O motor é que está doente! Foi encontrado, segundo a prefeitura, dentro
da ambulância. Em nota, o ex-prefeito de Juazeirinho Bevilácqua Matias
afirma que, na gestão dele, foram adquiridos veículos novos. Ele diz
também que toda a documentação da cidade está no município, assim como
os computadores e que Juazeirinho tinha, para a área de saúde, mais de
R$ 300 mil em conta quando ele deixou o cargo.
Pedro Serafim, ex-prefeito de Ipojuca, no Piauí, afirma que tanto os
veículos da cidade quantos os computadores funcionam. Segundo o
ex-prefeito, imagens feitas pela equipe dele comprovam isso.
João Teles, ex-prefeito de Bujari, no Acre, afirma que deixou a cidade
em condições de ser istrada por qualquer prefeito. Mas a atual
istração diz que está ando necessidades. O banheiro da sede da
prefeitura não tem privada.
José Robson Mecenas, ex-prefeito de São Domingos, Sergipe, não quis
gravar entrevista. Ainda em São Domingos, quando os funcionários
chegaram para o primeiro dia de trabalho, encontraram um buraco de 12
metros de profundidade dentro da prefeitura. No fundo do buraco, restos
do que parece ser uma papelada. Até hoje, o novo prefeito não sabe para
que serve o buraco.
Já em Canavieiras, a surpresa veio de cima. A prefeitura diz que mandou
instalar uma antena de TV. Aí o técnico teve uma surpresa: “Quando eu
fui ver o sistema de calhas, de calhamento, para seguir o fio de áudio e
vídeo, foram encontradas uma microcâmera e uma pré-escuta direcionado
para a mesa do prefeito”. O caso foi parar na polícia. O ex-prefeito
Zairo Loureiro nega envolvimento.
Até agora, pelo menos três das 12 cidades citadas nesta reportagem
pediram ajuda à polícia. Em Juazeirinho, o Ministério Público também
investiga a situação da prefeitura.
“Não vemos a saúde, não vemos a segurança, a educação; não vemos
funcionar da maneira que é pra funcionar. O município de Juazerinho está
entre aqueles que hoje estão sofrendo com esse problema da seca, e não
há a assistência necessária pra suprir essa falta. Não é suprido. Por
quê? Por causa de desmandos com dinheiro público”, afirma o promotor
Pedro Alves da Nóbrega.
*G 1